A minha Lista de blogues

27/06/2008

Esmeralda




Num desses dias, acordei, com a voz do meu corpo. Dizia-me ele duma dor indefinível, indecifrável , até. Era como estar na beira de um precipício sem saber , o movimento a executar: se para a frente , se para trás. A localização desta dor era no entanto visivelmente precisa: no entroncamento em cruz no ponto entre os anseios desmedidos e a ambição redutora.
Tentava eu equilibrar-me no vão estreito da razão esperando pela doutrina da transfiguração.
Naquele preciso momento , Esmeralda , a minha vizinha do décimo terceiro esquerdo , safirou-me um olhar , agravando o meu já de si precário estado emocional. Naquele dia ela não falou uma palavra sequer ( ufa!! agradeci aos ventos ); é verdade , sua voz punha-me disfuncional , todo em tremuras , meus neurónios quedavam-se em absoluta inactividade. O olhar não , esse tinha o imaculado potencial do adorno , quero dizer que ela despia-me quando me olhava , dava-me frios e calores conforme ela assim o entendesse.
Já tivera um dia parecido , num passado verão quentíssimo , quando o seio de Esmeralda e por via do aperto no elevador do prédio , se roçara no meu braço no trajecto entre o rés-do chão e o décimo terceiro andar; fervi-me esbanjando suores. Mais platónico , menos platónico estava assim o meu amor por ela . A vontade de reconstruir situações passadas para efeitos de conhecimento objectivo ultrapassava-me. Esta recordação afundou-me um pouco mais na insatisfação da rotinada repetição.
“Quebre a sua rotina , pare o seu dia-a-dia e medite bastante. Os astros sugerem que quanto mais tranquilo estiver , melhor produtividade e rendimento terá”. Rezava assim o meu horóscopo ignorando completamente o meu estado de alma. Houvera tempos em que eu tentara cumprir escrupulosamente os desígnios ditados pelo meu horóscopo. Escrupulosamente vezes sem conta repeti-me no desengano.
Já eram difíceis os mastigáveis sustentos do quotidiano , o rendilhado aluguer da casa , o dolorido comportamento cívico do trabalho, dias há , que até o respirar se cansa. Do meio humano não há grandes ajudas: filho dá murro no pai , marido mata mulher , ouve-se um fado como em música de fundo , exponenciais impostos em crescendo.
- Já leu o livro “ O Deus do Amor” ? perguntou-me a Senhora ClaraBela a dona da livraria , onde acabara de entrar para me imaginar nos títulos das obras espostas.
Saberia ela da minha devoção a Esmeralda? Teria ela lido nas entrelinhas? Esmeralda era também frequentadora da livraria.
Não era possível , eu nunca dialogara com Esmeralda , nem ali nem em nenhures , ouvira sempre os seus diálogos com outros , isso sim. Recompus-me quando a Senhora ClaraBela me recitou uma promoção comercial qualquer , um primeiro lugar de um qualquer toplivros: o livro era o número um do top de vendas , daí a sua recomendação.
Uma carga céptica envolvia-me quando entrei no elevador do meu prédio. O fecho da porta do elevador naquele momento representava o meu mundo: fechado em quatro chapas de zinco , cerca de um metro cúbico respirável e alguns manipuláveis botões. A paragem no décimo terceiro andar , trouxe a entrada de Esmeralda no cubículo, reduzidamente vestida , seu destino parecia ser uma ida à praia. O meu coração batucou violentamente na minha jugular , tive a esperança que uma qualquer ordem organizacional , criasse o processo da desordem; o universo começara também com uma desintegração , e ao desintegrar-se organizou-se. A agitação calorífica intensa provocada por Esmeralda foi fatal: o calor é agitação , remoinho , movimentos em todos os sentidos , formaram-se partículas e uniram-se umas ás outras. Nos sois que se sucederam, ardemos em chamas, até porque o elevador resolvera parar entre o oitavo e sétimo piso.
Viver da morte , morrer da vida foi o que nos aconteceu até sermos salvos pelo técnico dos elevadores.

13/06/2008

Natalidade em crise


O modo de existir de um instrumento de trabalho enquanto artefacto para ser utilizado, transporta consigo maneiras de o usar e extrair dele o máximo de rendimento que diferenciam o seu proprietário e a sua destreza em relação a um outro (ou aos filhos e filhas, por exemplo) e são estas condições concretas que deverão ser retidas mesmo quando já por evocações de um passado que a própria peça ajuda a relembrar.

Falta um modelo adequado à condição feminina?

Eis alguns dos slogans usados:
A igualdade jurídica tem de ser acompanhada de fortes medidas e práticas sociais, nomeadamente no que se refere à conciliação da vida profissional com a vida pessoal.
A qualificação das mulheres ( em número) e a relação com a realidade.
Rendimentos diferenciados para igual função ( entre homens e mulheres)
Os lugares de topo que na prática a mulher alcança.
Trabalho precário com maior incidência no género feminino.
E blá,blá,blá…

Esta precaridade resulta nisto?

Natalidade em crise. O continente velha Europa faz juz ao nome. Um Inverno demográfico. 54 milhões de europeus vivem sozinhos ou dito de outra forma dois em cada três lares não têm nenhuma criança.
O Instituto de Política Familiar considera necessário (no topo das prioridades) o desenvolvimento de políticas públicas de apoio à família.

Uma no cravo outra na ferradura. Por um lado tecem-se loas ao Feminino para mais à frente reclamar a condição “parideira”. O desenvolvimento de políticas públicas de apoio à família, ( é familiar aos meus ouvidos), vai dar à concepção.
O lado supraeconomicista desta global aldeia não se fica pelas couves, carros e comercializáveis comuns utensílios.
Dito de outra maneira não é nada , mesmo nada económico ter e criar filhos, e os “homes” salvo raríssimas excepções, não assumem o acompanhamento na educação das crianças. Preferem mais discutir as cavalagens das suas maravilhosas máquinas e botar olho nas “mulheres alheias”.

Não é mesmo verdade que nas reuniões de “ Pais “ são quase sempre as Mães a marcar presença?

06/06/2008

O Pathos , o Logos e o Ethos.

Mimado, frágil, o ser humano ocidental, exige grandes atenções em variadas formas. Encontra compensação na convivialidade tranquilizadora dos sinais em que se reconhece no outro.
A ambivalência da retórica sempre existiu. Que faz ela ? O que provoca ? Desmascara os pensamentos falsos ou é o instrumento demoníaco que os instaura ?
A opinião comum, mutável e contraditória é alimento “gordo” da retórica. Por agora, aceitemos, que ela ( a retórica ) estuda e põe a nu os mecanismos tanto das grandes fraudes como dos melhores entretenimentos.
Mas qual o fundamento e garantia desta razão provocada pelo sujeito? Reconhecemos entretanto, que a razão perdeu a sua substância anterior, resta-lhe a forma residual. A “crise da razão” oscila e não está só: oscila com ela toda a tradição herdade dos gregos.
As ciências humanas estão marcadas pela condição retórica. A hermenêutica, uma interpretação do passado, atesta-o. Mesmo a manipulação das paixões como a propaganda demonstra-a. O signo que mobiliza, faz imaginar uma acção a fazer ou não fazer, fazendo um juízo que se aceita ou se recusa. A nossa lógica não possui um rigor natural, mas construído. Pergunta-se, quem detém a “boa” concepção da retórica ?
Ressalta assim à priori que a própria retórica ao longo da história tem entre si variadas e concorrentes definições. Há uma ausência de unidade do domínio , perpetua-se a imprecisão. Por outro lado as características da retórica por vezes também se interpenetram.
Há sempre na relação retórica distâncias sociais, psicológicas, intelectuais que se manifestam por argumentos ou sedução. Podem existir outras nuances, menciono no entanto estas três bases, mais uma trilogia:

A invenção que é uma investigação.
A disposição que estrutura e coloca as ideias em ordem.
A elocução que faz passar a mensagem.

Afinal não nos interrogamos sobre o problemático: discutimos teses opostas sobre as quais uma maioria de pessoas ou de sábios com autoridade estão em desacordo, e a propósito das quais eles formam portanto um novo acordo. Parece-me, digo parece-me, que o ideal proposicional, a proposição, impõe-se excedendo o seu contrário.
Por sua vez o tempo cria alternativas, conceitos aceites e aclamados deixam de o ser com o passar do tempo, encaixe perfeito para o carácter sucessivo da realização dos opostos. Todas as noções deslizam e misturam-se e a retórica apodera-se delas. Assim a “distância” entre os seres humanos precisa de justificação e consoante a tónica que se imprima à retórica nascem ditos diferentes.
No pathos obtemos a retórica –manipulação. Se a colocarmos no logos dará uma visão lógica e argumentativa. A partir do ethos desembocamos no papel determinante do sujeito e da sua moral. Eu concluo que as respostas dependem quase sempre de uma norma.

04/06/2008

O "Joguinho" da Imitação


A relação entre Idea e Arquétipo não é perfeita. Pois ,pois, “ perfeito só o Capitão”. A arte imita ou não a Natureza? Consideremos Natureza tudo aquilo que de material ou imaterial existe que nos rodeia e em nós é ou está.
E a imitação tem vontade própria? E de escolha? Parece que a procura da verdade, para melhorá-la ou piorá-la, não é bem a procura da verdade.
Através dos tempos e desde aquele tempo em que supostamente “erámos quadrúpedes”, (de mãos e pés no chão) as formalidades são sempre diferentes, mas a essência é a mesma. Será? Dúvidas…
É que há modelos evidentes. Por exemplo, Homero para o Ulisses de Joyce, Horácio para Ricardo Reis de Pessoa. As estruturas narrativas imitadas e não reproduzidas. Fala-se de “reescrita e de “intertextualidade” mas não de imitação. O acidental esse mudou e está sempre a mudar, valha-nos isso.
Mas voltemos à arte humana relacionada ( transcendental) com o Arquétipo ou a Idea. Para além “ do Capitão “ o Arquétipo também é perfeito, logo não se dará lá muito bem com a Idea. O “problemazinho” que se apresenta será , o drama e o movimento de tudo o que nos rodeia, que não dá cópias perfeitas. Parece ou é consensual admitir que existem boas ou más imitações. “É preciso ler muito e ter ouvido muito para ser um bom orador” diz Cícero no de Oratore.
A imitação não tem que ser servil. Os bons modelos copiados e se o autor não se limitar a copiar, abre uma via, para pôr algo de seu.
A Natureza não permite que algo ou alguém seja igual; a imitação ,para o ser humano, é uma fuga aquela ordem – a diversidade absoluta.
Estamos assim perante as três mais célebres e criticas posições no campo da imitação:
As coisas tais como foram e são.
As coisas tais como as dizem e parece ser.
As coisas tais como deveriam ser.
O século de Virgílio e de Horácio foi um dos tempos em que mais se imitou, mas também o de maior originalidade.
A imitação por supostamente estar ou ser proibida, já não é uma regra, tornou-se defeito e criticável acção, logo torna-se muito mais difícil detectá-la.
Continua assim a saga da imitação. “Influenciado por” ou da “escola de” ,invólucros semânticos, admiráveis neologismos que no fundo nos dizem a mesma coisa de outrora. As palavras renovam-se. São ou não a escrita e a fala acidentes vivos no nosso percurso?
Consiste a essência da Poesia na imitação da natureza?